estória §86


Porque a vida, a nossa vida, é tanta coisa. Não se resume só a isto ou aquilo. É repleta. De coisas boas, de coisas menos boas, de coisas más e de coisas ruins (as quais dispensávamos). Mas ela é cheia de tudo! Não importa o que são, quem são, como são, que classificação lhes atribuímos num momento. O que importa é que é. E, por vezes, estamos tão focados em algo, com a cabeça e o coração sempre a apontar na mesma direcção que ficamos cegos e não vemos o resto. Não vemos, nem de perto, tudo o que está à nossa volta e que pertence também à nossa vida. Acontece isto muitas vezes. É como se tivéssemos “mergulhado” a cabeça na areia, tal como a avestruz. E isso, impede-nos de vermos as outras coisas, sejam elas boas, menos boas, más ou ruins. Se experimentarmos tirar a cabeça da areia e olhar ao nosso redor, vamos ficar bem melhores. Quer dizer, não vai desaparecer o que nos mantinha tão focados. O buraco onde tínhamos a cabeça não desaparece assim do nada. Mas, vai sendo tapado com a ajuda do vento que leva a areia ao redor para lá. As outras coisas (boas, menos boas, más e ruins) que estão à nossa volta, e as quais não víamos, vão ajudar a desvanecer a tal coisas que nos prendia o pensamento e a emoção. Vamos desanuviar a cabeça. Vamos saber ter uma postura diferente. E vamos saber aproveitar muito mais da vida, da nossa vida.



estória §85


Chega a uma altura em que nos fartamos de tudo. Mas de tudo mesmo. Fartamo-nos do nosso dia-a-dia. Fartamo-nos da rotina de casa. Fartamo-nos do trabalho de sempre. Sempre o mesmo sítio. Sempre o mesmo caminho. Sempre as mesmas coisas para fazer. Fartamo-nos das pessoas com quem nos cruzamos. De todas. De tudo o que fazem ou não fazem. De tudo o que dizem ou não dizem. Daquelas que são próximas e das que estão próximas. Daquelas que estão longe e perto ao mesmo tempo. Fartamo-nos de todas, da maioria ou apenas de algumas. Mas fartamo-nos. E podemos até nos fartar daquelas que nos amam incondicionalmente ou das que nós amamos incondicionalmente. Mas não é por mal. E não significa que deixássemos de as amar. Mas aconteceu naquele momento, fartámo-nos. E mais grave é pensarmos que a “culpa” é delas. Normalmente, a “culpa” é de nós próprios. Está cá dentro. E nós não nos apercebemos disso. Apenas achamos que o mundo está ao contrário. E contra nós. E então, fartamo-nos. E só queremos ter o dom de mudar tudo, ou algumas coisas, na nossa vida, naquele momento. Porque pensamos que já não dá mais, já não aguentamos mais. Não aguentamos (nem queremos) nada mais contra nós, contra o que nós queremos para nós. Queremos que as coisas mudem. Que as pessoas mudem. Não vemos que o tem que mudar ou quem tem que mudar somos nós. E até vermos isso e percebermos isso, vamos estar sempre fartos. De tudo. De todos. Cada vez mais.
Mas não é por mal. Simplesmente, naquele momento, fartamo-nos de tudo e de todos.


estória §84

O intervalo ainda não acabou. Foi o que disse há tempo. Estava tudo noutras mãos que não as minhas. E continua tudo a estar nessa outras mãos. E eu continuo quieta. Continuo sentada em frente à gaveta. Apenas a fechei um bocado. As coisas mudaram levemente. Demoraram um mês, é certo, mas a coisa está agora com outro aspecto, continuando contudo muito parecida ao que estava. Mas com esta minúscula mudança eu resolvi deixar apenas uma frechinha da gaveta aberta. E aumentei o tempo do intervalo. Vou deixar as coisas assim por um tempo que espero não seja muito demorado. Um mês é muito tempo mesmo. E depois pode acabar por ser tempo perdido. Por isso peço(-te) que não tenha que esperar mais um mês. Não me faz bem. Eu não sou assim tão forte. E depois? Depois custa muito mais andar com as coisas para a frente. Custa muito mais arrumar tudo, pôr um ponto final e fechar a gaveta. Ter de tomar essa decisão por mim (e por ti). Custa porque eu não quero ter de fazer isso. Eu quero que as coisas sigam outro caminho. Quero fechar aquela gaveta sem ter de pôr as (tuas) coisas lá dentro. Quero continuar com elas no meu dia-a-dia.
Por isso o intervalo aumentou. Eu continuo sentada à espera. E as coisas continuam noutras mãos.

estória §83


Comecei[-te] a arrumar. Abri uma gaveta das que estavam vazias na grande estante que tenho [em mim]. Não gosto de arrumar estas coisas. Só gosto de mais tarde as rever e sorrir com tudo o que me vem à cabeça. Mas para isso terei sem dúvida de [te] arrumar. Hoje abri a gaveta. Tomei esta árdua decisão. O que custa é o primeiro passo, é o que se diz. Espero que agora os outros passos venham mais naturalmente e não exijam tanto de mim. Fico exausta. E só me apetece deitar-me, fechar os olhos e pensar que tudo poderá ficar bem. Mas a vida não é assim tão fácil. As coisas nem sempre são como nós gostaríamos. E isto está bem longe de ser o que que queria. Mas hoje abri a gaveta. E estou sentada em frente dela simplesmente a olhar. E acabei por decidir que [te] ia dar a última oportunidade antes de arrumar definitivamente as [tuas] coisas. Espero que este pequeno intervalo seja aproveitado. E que as coisas tomem o rumo [que tu aches] certo. Eu sei qual seria esse rumo. Mas não sou eu que vou decidir isso. Não me compete a mim decidir muito mais coisas. Não vou fazer muito mais. Vou ficar quieta. Deixar o intervalo passar e depois arregaçar as mangas e arrumar[-te], com o objectivo, não de [te] esquecer, mas sim de organizar a vida e começar um novo caminho e mais recordar tudo.

A gaveta ainda está aberta. E o intervalo ainda não acabou.