estória §63

Contra factos não há argumentos. Vi factos. Portanto está na hora de seguir. Já estava há muito tempo. Mas só agora é que eu consegui tomar esta decisão de vez. Pelo menos penso que a vou tomar de vez. Já é bom. Já o tinha feito há uns tempos atrás. E hoje volto a fazê-la. Chega de ficar neste sítio. Não é acolhedor aqui. Não sou feliz aqui. Está na hora de partir. O relógio não pára e já perdi muito tempo com tudo isto. Vou seguir viagem. Para onde? Não sei. Vou. Só isso. Vou sem me importar até onde chegarei. Espero que seja um sítio reconfortante. Que me faça feliz. Não importa quem esteja lá. Sei quem poderá já lá estar. Eles vão estar lá sempre. E isso dá-me confiança. O resto logo se vê. Mas sei que será melhor. Só pode ser. É. É mesmo hora de avançar. Dar o primeiro passo. Que é o que custa mais. Vai mesmo custar. Mas agora tenho um “motivo”. Agora vou aproveitar isso para ir. E depois desse primeiro e difícil passo tudo se torna mais fácil. As coisas vão ficando para trás. Cada vez mais longe do coração. Ainda bem. Não quero mesmo pensar no que poderá vir. Eu sei que é algo bom. Quero acreditar nisso. Coisas boas atraem coisas boas. É bom pensar que sim. Faz-me sentir mais confiante e de que vou ser capaz de fazer isto. As malas estão quase prontas. Também não é muita coisa. Tudo o que necessito está comigo como sempre esteve. Tudo o resto, o que não faz falta verdadeiramente, fica pelo caminho. Mais um bocado confiança e esperança, abraços e sorrisos. E estarei pronta. Vai ser desta. Acreditem em mim.

estória §62


Adoro fotografias. Adoro tirar fotografias a tudo e mais alguma coisa. Adoro tirar fotografias àqueles e com aqueles que mais gosto. Gosto de fotografar por um simples facto. Para mim é como se conseguisse que as coisas sentidas, pensadas, ditas naquele momento em que se tira a fotografia, é como se tudo ficasse lá, naquele rectângulo de cor ou a preto e branco. Um rectângulo que pode conter o segundo mais feliz, a batida do coração mais forte, o abraço mais sentido, o sorriso mais sincero, a força de esconder uma lágrima. Tudo corre tão rápido à nossa volta, o tempo não pára nem um segundo. É incrível. E, por vezes, parece que as coisas passam por nós demasiado rápido. Escapam-nos das mãos como se fosse água. Por isso gosto de fotografias. Lá está tudo. Num segundo guarda-se tudo. As fotografias têm esse poder fantástico. Pelo menos para mim. E é verdade. Há uma outra razão para gostar tanto de fotografias. Eu sou uma pessoa esquecida. Não é defeito, já é feitio. E as fotografias ajudam. É sempre mais fácil lembrarmos coisas quando vemos uma fotografia. Olha-se e as coisas vão surgindo na cabeça. Lembramos isto e aquilo. O que foi dito por nós e por quem estava connosco a partilhar este momento. Lembramos como estávamos. Se contentes, se tristes, se bem dispostos. E depois reparamos que estamos com um sorriso na cara. Que a saudade começa a querer espreitar. Vem a nostalgia. É bom. É uma sensação boa, reconfortante. Fica-se feliz. Ao olhar-se para o passado e lembrar os momentos passados através de uma fotografia. Está tudo como que eternizado naquele rectângulo. É magia. Pura magia. Mas nem sempre uma fotografia nos traz algo bom. Pode-nos vir ao pensamento um momento mais difícil, mais triste. Mas isso também é bom, vendo por outro lado. Estamos aqui, no presente, bem, felizes por recordar algo menos bom que já nos aconteceu. Pois, é isso. Algo que já passou. Ao qual sobrevivemos, diga-se. Estamos aqui a lembrar esse momento. E podemos escolher não o lembrar mais. Guardar a fotografia no baú lá em cima no sótão. Ou então olhar para ela quando calhar e pensar que passámos por aquilo e que agora estamos aqui felizes. Com as fotografias é assim. Podemos escolher se as queremos ver, se queremos lembrar aquilo. Dá muito jeito. Com as fotografias faz-se o que às vezes se gostaria de fazer com a vida, com esses momentos fotografados. Viver ou não esses momentos, esses rectângulos. Pensar o que quisermos sobre eles. Escondê-los ou deixá-los na nossa vida. Eternizar algo bom. Eternizar tudo, tudo.
É magia. Pura magia.