estória §96


Quando chega a noite, a cabeça começa a andar a mil à hora. E o coração acompanha-o nessa viagem. Às vezes chega a ser assustador. As coisas passam umas a seguir às outras, nem se vê ao certo o que é o quê, não se percebe nada em concreto. Assusta mesmo. Deixar o pensamento ir atrás disso é o pior. Tudo se mistura com tudo. Pensamentos, imaginação, factos e esperanças.

estória §95


‘E se eu te dissesse ‘Olá!’?’, pensa ela com o coração nas mãos, a olhar para ambos os lados como se estivesse a fazer algo errado e na esperança que ninguém a visse. Ou melhor, na esperança que ninguém lhe leia o pensamento e lhe diga automaticamente que não o deve fazer, que não deve pensar naquelas coisas, que não deve pensar nele. Mas ele está ali. Presente como nunca no seu pensamento e é tão tão difícil largá-lo para trás e seguir. É tão tão difícil vê-lo ali num pequeno quadradinho do seu ecrã e não fazer nada. Provavelmente ele não iria responder. O quadradinho iria desaparecer e ela até poderia dizer para si mesma que calhou ele ir-se embora quando ela resolveu dizer-lhe ‘Olá!’. Foi apenas uma coincidência. Não. Isto seria uma desculpa que ela dava a se mesma, para se consolar. Mas só estava a enganar-se a ela própria. No fim, ela conseguiu não dizer-lhe ‘Olá!’. Conseguiu não o dizer hoje.

estória §94


Já lá vai algum tempo. Pouco tempo. Para mim parece muito tempo. Mesmo muito. Mas foi só um mês e meio. É pouco tempo. Se bem que é tempo suficiente para acontecer tudo e mais alguma coisa e a vida de uma pessoa tomar um rumo completamente diferente. Sim, era o que eu gostava [desejava] que tivesse acontecido com a minha vida. Mas continua tudo na mesma. Não está bem igual à um mês e meio atrás. Mas está muito parecida. Parecida demais para o meu gosto. Continuas lá. És como uma nódoa. Às vezes há nódoas bem difíceis de tirar. Tu és assim. Ainda hoje, tentei com todos os produtos e mais alguns tirar umas nódoas de uma mala assim já velhinha que usava em pequena, e não consegui. Decidi ficar com ela à mesma. Guardá-la porque gosto demasiado dela para a deitar fora. Faz-me lembrar coisas boas. Momentos bons. Pessoas que numa certa altura da minha vida foram importante e essenciais para mim. Mesmo que agora não façam parte da minha vida. Nada do que aquela mala me faz lembrar faz parte da minha vida actual. Mas é bom lembrar. Aquece o coração. E apesar de ter aquelas nódoas difíceis de tirar, eu vou ficar com ela. Guarda-la no armário ao lado das outras malas. E tu és assim. Uma nódoa [bem] difícil de tirar de uma etapa da minha vida. A qual não quero deitar fora porque fui feliz lá. Faz-me lembrar coisas boas. Momentos bons. Alguém que foi importante para mim. E apagar essa nódoa, [apagar-te], seria deitar fora tais momentos. E eu não seria a mesma sem esses momentos. Ainda é cedo para dizer. Mas acho que vou-te guardar para sempre no meu armário. Não mereces, mas vais ter um lugar especial lá. Sim, podes-te sentir vaidoso. E eu posso-me sentir um pouco estúpida. Mas quando se gosta é assim.