estória §61


Voltei a casa. Estou cá à um dia. Olhei de relance e parece que estava tudo na mesma. Tudo igual a quando eu me fui embora. As mesmas pessoas. As mesmas coisas. E foi bom. Foi bom que passado este tempo as coisas estavam praticamente na mesma. O lugar que tomo como o mais seguro na minha vida estava quase intacto. E digo quase porque estava mesmo quase. Não estava totalmente intacto. Totalmente igual. Estava quase. Praticamente. Parecia igual. Porque na verdade haviam pequenas mudanças. Leves. Subtis mudanças que me deram o sinal de que a vida aqui continuou sem mim. Sem isso diria mesmo que tudo parou por aqui com a minha ausência. Mas não. A vida continua em qualquer parte. Comigo ou sem mim. Mas foi bom ver essas pequenas mudanças. Esses pequenos detalhes. Uns que aconteceram para nós. Para mim. Outros que foi para todos. As coisas voltaram ao "normal". A minha vida voltou ao que era antes. Olha-se de relance para ela e parece que está tudo na mesma. Que as coisas estão praticamente iguais em mim. Mas não. Também eu tenho subtis mudanças. Umas feitas por mim própria. A todo o custo. Porque por vezes tem que ser. E quando se está longe é mais fácil. Outras foram feitas por outros. E essas não se podem controlar. Querer ou não querer. Elas vêm direitas a nós e mudam-nos. Afectam-nos. Mas foi algo que provocou uma boa mudança. Enchi-me de coisas novas. Pessoas novas. Sorrisos novos. Vozes novas. Tanta mas tanta coisa. Fiquei a abarrotar. As coisas ainda se estão a digerir. Estes dias ainda servem como processo de adaptação e acomodação de tudo o que aconteceu. De tudo o que aconteceu lá com o que aconteceu cá. Do meu "Eu" antigo com o meu "Eu" novo. O antes com o depois. Ainda está tudo em balanço. Mas este vai ser um balanço com saldo positivo. Longe dos problemas. Bons momentos. Pessoas fantásticas. Muita saudade. Mas sabe bem voltar a casa. Ao porto seguro.

estória §60


Sentámo-nos. Não existia mais nada além de nós, do verde à nossa volta e do azul e branco do céu. O sol espreitava de vez em quando por detrás das nuvens. Aqui parece sempre que está tímido, que tem medo de se mostrar. Tal como eu. Permaneci sentada no banco. Com o casaco vestido, mas não tinha frio. Estava bem. Estou bem aqui. Depois de algum tempo deitei-me. Pus o capuz na cabeça e deitei-me no banco. Fechei os olhos e deixei tudo. Quero deixar(-te). Não havia mais nada. Só ouvia o vento. As ovelhas e as vacas como que a falarem. Até elas parecem que falam. Também gostava que nós falamos. Nem que fosse só que parecesse. Ouvi por vezes algumas bicicletas e pessoas que passavam pelo caminho ali ao lado. Mas mais nada. O sol ganhou coragem e atreveu-se a espreitar. E senti o seu calor. Senti a cara quentinha e as pernas. Foi bom. Fiquei ali assim sem pensar em nada. Com os olhos fechados, os braços em redor do corpo. A cabeça vazia. Completamente vazia. Não estavas nos meus pensamentos. Apercebo-me agora. Abri os olhos por momentos e só vi o céu. Existiam algumas nuvens. E constatei que nada parara naquele momento. Via as nuvens a andar. A terra continuava a girar. Tudo continuava a mover-se. Tudo continuava a acontecer. Mas na minha cabeça tudo estava tão parado. Não existia nada. Não existias. Nenhum pensamento. Nada mesmo. Só uma coisa veio estragar, por assim dizer. O vento. Nada é perfeito para sempre. É verdade. Mas aquilo foi perfeito enquanto durou. Mesmo que tivesse sido só algumas horas. Foi bom ter acontecido. Comecei a sentir o vento mais vezes. A passar por mim. E fiquei com frio. Estava mais forte. Estava a mandar-me embora. Sentei-me novamente. Pus o lenço em redor do pescoço e fechei o fecho do casaco. Estava arrepiada. Não pensei na altura. Mas agora gostava que me tivesses abraçado. Tinha sido bom. Mas o objectivo aqui é não pensar e deixar as coisas irem. Por isso, estava ali só mas não sozinha. Levantámo-nos e começámos a andar de volta para aqui. Estava tão bem. Sentia-me leve. Leve de ti. Não pensei nem um segundo em nada de ti.
E isso pôs-me um sorriso por dentro. Que apenas eu podia ver.

estória §59


"Liberta-te, desprende-te"
*Cathy Kelly

Ao longo da vida, uma pessoa prende-se a diversas coisas, diversos sítios, diversas pessoas, diversos sorrisos, olhares. E, por vezes, fica prisioneira autêntica disso, mesmo sem ter a plena consciência disso, mesmo sei se aperceber. Há coisas que são viciantes para nós. Coisas boas e coisas.. menos boas! Houve um dia em que me prendi a algo. Quer dizer, não foi assim só num dia que me prendi a isso. Foi com o correr dos dias. Vários dias ajudaram a que eu me prendesse a isso. É. Prendi-me mesmo. Infelizmente - digo-o só agora, pois só agora é que me apercebi disso. Eu fui-me deixando estar presa. Queria, melhor dizendo. Queria estar presa a isso. Mas agora descobri que isso é uma daquelas coisas.. menos boas! Infelizmente. E já o devia ter descoberto à mais tempo. Mas queria estar presa. Não devia de querer isso. Mas não se escolhe. Não se escolhe as coisas a que nos queremos prender. E assim foi. E agora, agora consegui olhar de fora. De fora de mim. Consegui ver ao que me estava realmente a prender. E é, sem dúvida, uma coisa menos boa! Por isso, resolvi que tenho que me libertar dela. Desprender-me dela. Tenho que me livrar dela. Tenho. Mas vai ser difícil. Tenho a certeza disso. Rezo para o conseguir fazer. Peço a tudo e a todos que o processo de "desprendização" seja fácil, mas principalmente rápido. Começo a estar farta de estar presa. Agora. Agora penso que começo a estar farta. Que irónico. Antes só queria estar presa para sempre. Agora quero me desprender da noite para o dia. Bem, ainda não se quero mesmo. Se quero mesmo a sério desprender-me. Mas sei que é o melhor. E, por isso, tenho que o fazer. Porque é o melhor para mim. Tenho que o fazer nem que seja por mim. E só isso é suficiente. Pois, se eu não o fizer por mim, vou fazer por quem? Depois de agora vou começar este processo de "desprendização". Vai começar longe. E desse longe vou vir nova. Diferente. Vou libertar-me e desprender-me de tudo o que está a mais. Chega de coisas a mais. Coisas a mais é mau. Ocupam espaço. Fazem pó. E depois tenho mais para limpar. E eu não gosto muito de limpar o pó.
Está dito. Tenho que me desprender. Agora.