estória §56


Domingo, 29 de Maio de 1988

Às 3 horas da manhã. No Hospital da Estefânia. Faz hoje 22 anos. Já passaram 22 anos. Como o tempo passa. Como não damos conta. Só nos apercebemos quando existe algo que acontece que nos faz pensar nisso mesmo. Alguma data memorável. E esta é. O nascimento de alguém deve ser memorável. Mesmo que não seja para todos. Mas deve ser. E é sempre bom vermos que os outros se lembram de nós. Eu gosto. Não importa se estão longe ou perto. Se já se conhecem há muito tempo ou há pouco. Se falam sempre ou de vez em quando. Se gostam muito ou pouco de nós. O que importa é que se lembraram de ti naquele momento. Sabe bem. Aquece o coração. E vemos que afinal é um dia memorável. E isso faz-nos pensar no tempo. No que já se passou. No que já se fez. No que antes se queria. No qe antes se sonhava. No que antes se desejava. No que se tem agora. No que se fez até agora. No que se tornou realidade. No que aconteceu inesperadamente. Nas coincidências. No que se deseja para o futuro. No que se sonha. No que se quer alcançar a todos os níveis. Olho para trás e vejo o que fiz da minha vida durante estes 22 anos. Os caminhos que decidi percorrer e até onde me levaram. Penso. Já houve momentos em que me arrependi de algumas coisas. Mas hoje, hoje não. Se voltasse atrás, voltaria a percorrer os mesmos caminhos. Se calhar mudava um ou outro pormenor, mas fazia os mesmos caminhos. Tudo o que está para trás faz parte de nós. E eu não seria a mesma se não tivesses percorrido esses caminhos. E eu gosto do sou hoje. Apesar de existirem sempre coisas que uma pessoa mudava em si. Também tenho isso. Mas sem elas, voltamos ao mesmo. Não seria o que sou hoje. Os caminhos que já fiz levaram-se a sítios fantásticos. Momentos que vão ficar para sempre. Pessoas essenciais que encontrei. E sem as quais hoje não me imagino. Dificuldades que me ajudaram a crescer. Erros dos quais retirei algo e nos quais existia sempre alguma coisa boa.

"Desejo a mim"mais caminhos para percorrer. Que encontre mais pessoas. Que a vida me sorria apesar de existirem dificuldades. "Desejo a mim" mais erros para cometer e que haja sempre algo bom. "Desejo a mim" que continue perto das pessoas fantásticas que conheço e que possa sempre contar com elas.

"Sou sempre eu a mesma... Mas com certeza não serei a mesma para sempre."
*Clarice Lispector

estória §55


"Dança é música feita visível."
*George Balanchine

Dançar torna-nos vulneráveis.
Acabamos por nos expor sem nos darmos conta. Expomos o que certa música nos transmite, expomos o sentimento que ela nos provoca.
Sem nos apercebermos tão bem, ficamos ali à mercê dos olhares dos outros, à mercê dos seus juízos de valores, dos seus pensamentos, que não podemos de algum modo controlar, a não ser que nos controlemos a nós próprios e não dancemos livremente.

estória §54


Ontem foi a Bênção das Fitas. A meta está próxima. Já a avisto. Uma etapa está prestes a acabar. Mais uma etapa na minha vida. E passou tão rápido. O tempo voa e não se dá conta. Isso mete-me medo. Muito medo. Fico a pensar se terei aproveitado bem este tempo. Pois não há maneira de ir para trás e refazer tudo. Não tenho essa oportunidade. E assim fico a pensar se terei feito tudo o que queria e o que gostava. Mas não sei a resposta a isso. Não consigo ver se faltou alguma coisa. E tudo isto mete-me um certo medo. Foram 3 anos em grande! Tenho a certeza. Mas poderiam ter sido melhores? Não sei. Mas sei de muitas outras coisas. Olho para trás e sei o que fiz. O que aconteceu. Quem conheci. O que vivi. O que senti. Sei quem deixei que entrasse na minha vida. Sei quem me fez sorrir. E quem me fez chorar. Sei dos bons momentos. E dos menos bons. Sei o que aprendi. Sei tudo isto. E o coração fica assim apertadinho. Conheci realmente gente fantástica. E que irá ficar para sempre na minha vida. Conheci gente não tão fantástica. E que por motivos diferentes também ficarão na minha vida. "Há gente que fica na história da história da gente". E todos eles me ajudaram a crescer. Contribuiram para o que sou hoje. Deixaram um bocadinho deles em mim. E espero que tenham levado um bocadinho de mim com eles. A vida é isto. Tão só. Ir pelo caminho que de algum modo se escolheu. Observar o que nele se encontra. Pessoas. Coisas. Oportunidades. Absorver isso. Retirar de lá algo. Aprender. Viver. E continuar a caminhada. Agora continuo a caminhar. E vou diferente devido a isso. Vou diferente por dentro. Levo mais bagagem na alma. Aprendi coisas novas. Reformulei algumas que pesava estarem certas ou serem as melhores. Fiz amizades novas. Fortaleci as que já tinha. Mas agora vou continuar a caminhar. A meta está quase ali. E sim. Sinto-me cansada. Sinto-me farta. E quero chegar rápido. Mas também estou ansiosa. O que virá a seguir? Eu não sei bem ainda. E isso também me traz medo. Não me sinto confortável sem ter a certeza do que vem a seguir. E faz-me ficar inquieta. Nervosa. Com medo. "E quando à tua frente se abrirem muitas estradase não souberes a que hás-de escolher, não te metas por uma ao acaso, senta-te e espera. (...) Fica quieta, em silêncio e ouve o teu coração. Quando ele te falar, levanta-te e vai para onde ele te levar". Mas estou a contar com a minha bagagem. As coisas "velhas" que já cá tinha e as novas. Para me ajudar no novo caminho que irei trilhar. Pois tudo fica mais fácil quando se tem alguém ao lado. Alguém amigo. Que nos apoia. Compreende. Abraça. Dá miminhos e beijinhos. Sorri connosco. Ampara as quedas. E trata das feridas. Tudo fica mais fácil quando temos ao nosso lado aqueles de quem gostamos. E é isso que me traz alguma paz à alma. Algum conforto. Como se fosse uma luz de presença. Espero ter sempre assim pessoas à minha volta. Que estas estejam sempre de algum modo presentes na minha vida. E que encontre novas pessoas no caminho que me espera. Que venham novas oportunidades. Novos momentos. Novas alegrias e tristezas. Novas vitórias como esta. E também erros como os que fiz no passado e com os quais se aprende. Que haja muito mais de muitas coisas. Obrigada a todos os que encontrei no meu caminho. Que partilharam alguns passos comigo. Por motivos bons ou menos bons. Por momentos bons ou menos bons. Obrigada.

estória §53


Dói. Dói muito. E faz(es)-me ficar triste. Queria tirar tudo de mim. Tudo o que tenho cá dentro sobre isto. Há coisas que não devem ser (re)encontradas. E isto é uma delas. Para quê que abri aquela caixa velha com tanto pó do passar dos anos? Para quê que vi o que estava lá dentro? E para quê que senti isto? Agora dói. E agora só quero tirar isto. Mas não sei como. Quero que passe rápido. Quero esconder outra vez a velha caixa. E quero não saber onde a pus. Que fique lá mesmo no fundo do quarto. Tão fundo que não a veja. Que não avistar nem um canto que seja. É isto que quero. Mas não consigo. Preciso de algo que me distraia. Para que possa arrumar a tal caixa sem dar conta de onde a arrumo. Não quero mesmo mais olhar para ela. Nem que ela olhe para mim. Não quero que os nossos olhares se cruzem. Não quero sentir aquele silêncio entre nós. Fico triste. Sinto-me triste. Triste e ignorada. Por isso é que quero arrumar o raio da caixa. Só foram coisas más que lá estavam. E já não quero mais coisas más. Não aguento.
Quero esconder outra vez a velha caixa. Preciso. Preciso mesmo.