estória §79


O tempo passa. Os dias tão depressa mostram o sol como logo a seguir o escondem por de trás dos seus braços, e a chuva aparece. Não gosto disso. Do tempo a passar rápido. Da chuva. Não gosto. Gosto dos dias em que está aquele sol que nos aquece a alma. E não se sente o tempo a passar. Parece sempre o mesmo tempo. E uma pessoa fica ali. Sentada no parapeito. De frente para o sol. Com as mãos por baixo das pernas. E fica ali tão quieta. Aninhada em si própria. Parece que tudo pára. Tu e o sol. Olha-o mas fecha os olhos. Basta apenas senti-lo para saber que ele está lá. E sabe tão bem aquele calor. Mas não calor demais. Apenas o suficiente para isso, para nos aquecer a alma. Como se alguém nos abraçasse. É destes dias que eu gosto. É tão bom sentirmo-nos abraçados. Envoltos por algo que apenas se sente.

estória §78


Dois tolos. Esperando que algo acontecesse mas sem fazer nada para que isso acontecesse. Quase como que quando se quer sumo de laranja natural mas não se tem laranjas. É impossível. E quem pensar o contrário é mesmo tolo. Sem laranjas não há sumo. Sem um bocadinho de coragem não há nada.

estória §77


Queres sempre tudo. Queres sempre tudo do teu jeito. És assim e não admites isso. Acontece uma coisa e começas logo a pensar nisto e naquilo. No que poderia acontecer, como poderia acontecer. Pensas, ‘mas toda a gente não quer o melhor para si?!’. Sim, elas querem. Mas tu imaginas muito, fantasias muito para além do que é real, realmente real. Pará. Por favor. É para o teu bem. Mas não queres acreditar nisso. Dizes que não consegues parar de pensar, de querer as coisas todas. E depois com o tempo vês que as coisas não acontecem, vês que nada corre como pensaste, como querias. E isso deixa-te triste. Contentas-te com pouco, é certo. E não é mau. Ficas feliz por algo simples. Mas depois pensas e pensas. Não podes pensar logo em tudo. E depois vais-te abaixo com facilidade. Apesar de tentares não mostrares e disseres que vais esperar e deixar as coisas andarem. Mas isso não é verdade. Tu ficas triste. Ficas triste logo quando alguma coisa, por mínima que seja, não corre do teu agrado. E começas logo a pensar, tal como fazes quando estás feliz. E pensas logo no pior, tal como pensas no melhor que poderia acontecer quando estás feliz. És de opostos. Sabes disso? Já te deste conta? Não, eu sei. Se calhar, estás a aperceber-te disso neste exacto momento. E pensas, ‘no fundo eu já sabia, no fundo eu sabia tudo isto que está aqui’. Pois sabes, eu sei que sim, mas simplesmente não tens coragem para o dizer em voz alta. Tu que até falas alto. Mas apenas consegues “dizer” estas coisas todas no teu pensamento, onde os outros não conseguem ver ou ouvir.

Tens que ser crescida o suficiente e teres coragem, rapariga. Para admitires que és de opostos. Que ficas feliz e triste facilmente. Que tens os sentimentos à flor da pele. Que pensas demasiado também. Fantasias e imaginas muito. Voas demasiado alto e depois a queda é grande, nunca ouviste? Já, eu sei. Queres também tudo e mais tudo. Depois de te contentares com pouco queres sempre mais e mais. E quando não consegues isso, voltas a pensar demasiado. És assim. E já não é defeito, é feito. E isto não te faz bem. Tens que aproveitar tudo no momento e viveres isso. Tu dizes que agora fazes isso, mas continuas a pensar muito no depois. Prendeste muito a isso. Não podes. Deixa-te levar. Deixa as coisas irem. Sem preocupação. Sem imaginar muito. Sem queres demasiado. Para não ficares tão triste facilmente. Vais ver como é melhor. Como depois andas mais contente, mais feliz. Afinal, é isso que se quer da vida: ser feliz.

Tudo isto dito por uma voz. Uma voz dentro de mim.