estória §60


Sentámo-nos. Não existia mais nada além de nós, do verde à nossa volta e do azul e branco do céu. O sol espreitava de vez em quando por detrás das nuvens. Aqui parece sempre que está tímido, que tem medo de se mostrar. Tal como eu. Permaneci sentada no banco. Com o casaco vestido, mas não tinha frio. Estava bem. Estou bem aqui. Depois de algum tempo deitei-me. Pus o capuz na cabeça e deitei-me no banco. Fechei os olhos e deixei tudo. Quero deixar(-te). Não havia mais nada. Só ouvia o vento. As ovelhas e as vacas como que a falarem. Até elas parecem que falam. Também gostava que nós falamos. Nem que fosse só que parecesse. Ouvi por vezes algumas bicicletas e pessoas que passavam pelo caminho ali ao lado. Mas mais nada. O sol ganhou coragem e atreveu-se a espreitar. E senti o seu calor. Senti a cara quentinha e as pernas. Foi bom. Fiquei ali assim sem pensar em nada. Com os olhos fechados, os braços em redor do corpo. A cabeça vazia. Completamente vazia. Não estavas nos meus pensamentos. Apercebo-me agora. Abri os olhos por momentos e só vi o céu. Existiam algumas nuvens. E constatei que nada parara naquele momento. Via as nuvens a andar. A terra continuava a girar. Tudo continuava a mover-se. Tudo continuava a acontecer. Mas na minha cabeça tudo estava tão parado. Não existia nada. Não existias. Nenhum pensamento. Nada mesmo. Só uma coisa veio estragar, por assim dizer. O vento. Nada é perfeito para sempre. É verdade. Mas aquilo foi perfeito enquanto durou. Mesmo que tivesse sido só algumas horas. Foi bom ter acontecido. Comecei a sentir o vento mais vezes. A passar por mim. E fiquei com frio. Estava mais forte. Estava a mandar-me embora. Sentei-me novamente. Pus o lenço em redor do pescoço e fechei o fecho do casaco. Estava arrepiada. Não pensei na altura. Mas agora gostava que me tivesses abraçado. Tinha sido bom. Mas o objectivo aqui é não pensar e deixar as coisas irem. Por isso, estava ali só mas não sozinha. Levantámo-nos e começámos a andar de volta para aqui. Estava tão bem. Sentia-me leve. Leve de ti. Não pensei nem um segundo em nada de ti.
E isso pôs-me um sorriso por dentro. Que apenas eu podia ver.

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