estória §75


Dar o salto. Ter a coragem suficiente para saltares de um precipício sem saberes o que está lá em baixo. Sem teres a certeza de nada. Porque não tens. Estás presa por uma corda. Mas não sabes mais nada. Podes ficar para sempre cá em cima. Agarras a corda com as duas mãos, bem firmes mas suadas, e não param quietas para não se notar que estás a tremer, cheia de medo. O coração acelerado sem o conseguires controlar. Arrastas um dos pés mais um pouco para a frente. Nem forças tens para o levantares e dares o passo que te leva em frente, para o desconhecido. Pensas para ti. E ficas ainda com mais medo. Sentes a corda de volta da tua cintura. Ela vai-te suportar na queda. Disseram-te. Será mesmo? Pensas para ti. Arrastas agora o outro pé. Inclinas o tronco e a cabeça um bocado para a frente. Espreitas para baixo. Tal e qual uma criança assustada quando espreita para baixo da sua cama antes de dormir, para verificar que o monstro não está lá. Tu também queres que não estejam monstros lá em baixo. Desejas ter coragem para dar o salto. E que a queda corra bem. E que, quando, finalmente, lá em baixo, estejas bem, estejas inteira, que ele esteja inteiro. Mas depois assustas-te, cais em ti mesma e pensas o quão louco isto parece. Não consigo. Pensas para ti. E quando mais pensas no medo que tens de não saberes o que vem a seguir, pior ficas. Olhas em teu redor. Uns já saltaram, outros estão a saltar. Como conseguem? Pensas para ti. Tanto medo que sentes do que vem a seguir. De não saberes exactamente o que vem a seguir. Queres que corra tudo bem. Repetes para ti. Mas sabes que nem sempre as coisas correm bem. Pode doer. Tu não queres magoar-te. E tens medo que isso aconteça. Medo de ganhares coragem para dar o salto e que depois a queda seja horrível e chegas lá abaixo “desinteira”, que algo de ti se parta. Tens medo disso. É esse medo que te prende para trás. Que te puxa para ficares em terra. Que te retira as forças para dares o primeiro passo. De dares o salto para o desconhecido, sem nenhuma certeza, sem nada tomado como garantido. Mas tu tens que decidir. Tens de escolher. Ficares agarrada a esse medo. Ou encarares isso e dares o salto. E veres o que acontece. Pode ser uma queda agradável, que as coisas corram bem na viagem e chegas ao fim desta inteira e feliz, com uma sensação tão agradável que te enche o peito e sentes-te tão bem que nem consegues explicar, apenas sorrires por teres tido a coragem.
Precisas que as tuas mãos trémulas agarrem a pontinha de coragem que por vezes parece espreitar. Mesmo que tenhas as mãos suadas e o coração a bater de mais. Tens de deixar o medo para trás. Dar o salto. Porque pode ser um desastre total. Sim. Mas pode ser incrível.


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